
Retornei a minha consciência e estava deitado sobre uma grama seca, pedregulhos, cheiro de terra. O céu sobre mim e várias nuvens, disformes e imaginativas, contornos suaves e claros que encobriam os astros. Tento me erguer sobre o peso doloroso de minhas articulações sem sucesso. Pensamentos, delírios, transe, passos... Um aroma metálico invade e quase desmaio, me consolo e espero. Levanta, ou a ordem vai carregar você. Mirei para o lado e uma figura andrógina, daquelas que você aposta contra a sua percepção e noção, me olhava quase com desdém. Levanta, a ordem já passa por aqui e arrasta quem estiver sobrando, eu sei. Peso, pressa, confiança em quem não se sabe, por que e pra quê, ordem.... Ora, mas não há ordem. E ainda essa. Caminhemos. Ela, digamos assim, segurava uma cajado e se locomovia com dificuldade. Esbarrava nas coisas como uma deficiente visual e respeitei seu ritmo cadente, enquanto fazia minha análise. Muito magra e velha, busto caído, roupa em farrapos, ágata-branca, várias cicatrizes por todo o corpo, cabelos longos e prateados, descalça, mãos enormes com unhas medonhas e voz grave, lupina. Possuia uma luz que parecia não vir dela mesma. Caminhava como se soubesse o que queria, mas eu não, eu não vou, não quero e ela me atrai com seu magnetismo, e eu não, Mas que sim, porque preciso te contar, Não preciso saber o que. Sou Selenia, se antecipou, antes mesmo que eu pensasse em querer saber, não importa quem sou mas o que posso ser pra ti, estendeu a mão trêmula e delgada. Ao tocar a minha, parou e sentou no chão perplexa. Estávamos no meio de uma das estradas desertas do reino. Devia ser muito tarde ou quase cedo, não havia mais aves noturnas, talvez as escondidas, e o vento frio, o pneuma gelando, e aquela mulher-homem nos meus pés, e eu sem querer estar ali e não se ouvia barulho, nem mesmo a sua respiração, e me imaginei num lugar ao redor do planeta, a girar com Selenia, embriagados em nossas órbitas intermitentes. Vieste afinal...tive que sair do meu lado sombrio e te alcançar, há vários ciclos te espero, estava cheia dessa demora, minguei, me esvaziei e agora me renovo com a tua chegada, saiba que tens uma missão, não desperdices o teu tempo, o meu já é curto e logo aquele mais forte me ofuscará, a noite é o meu domínio, fará hora de ir-me, poderás encontrar-me amanhã se necessitares, vem, temos muito o que compartilhar, Onde posso encontra-la, Aqui mesmo, ali, onde houver noite, Por que não ficas e conversaremos, Não posso, ele vem. Diga-me o que tens pra me dizer, quem tu és, O que sou jamais nasceu e jamais morrerá, tenho que partir, é cedo demais pra ficar e demorar... E com os raios primeiros da aurora, foi desaparecendo em direção ao nadir.
to be continued....
Um comentário:
Brilha uma voz na noute...
De dentro de Fora ouvi-a...
Ó Universo, eu sou-te...
Oh, o horror da alegria
Deste pavor, do archote
Se apagar, que me guia!
Cinzas de idéia e de nome
Em mim, e a voz: Ó mundo,
Seemente em ti eu sou-me...
Fernando Pessoa
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