quarta-feira, 27 de maio de 2009


Mas agora é tempo de me lambuzar de humanidade, de medos, de dúvidas, de sentidos. Isso mesmo: sensações. Eis uma coisa que meu Pai, soberano criador de tudo o que existe, jamais conheceu. Esse é o grande diferencial do ser humano. E engana-se que o homem é menos por isso, não há nada mais divino que poder sentir. Os sentimentos e as sensações conferem divindade aos homens. Semi-deuses errantes que ainda não se deram conta do Deus que há neles, e, por isso, tendem a cultuar outros deuses que criam e recriam todos os dias: religiões, política, dinheiro. Um deus deve suprir todas as necessidades de quem o adora, e assim o homem vai criando tantos quantos ele necessite, como prolongamentos dele mesmo. Essa transigência persiste nesse mundo de dualidades, com consciência dicotômica generalizada. Esse mesmo homem quis ultrapassar as barreiras das percepções e sensações, querendo experimentar o espiritual sem precisar se desprender de sua matéria, daí surgiram deuses como a aquela deusa do Templo dos desolados. Uma deusa que vem fracionada, e que é processada, seja com fogo, seja com água. Sacrificada para extrair seu poder e poder-se experimentar. Vejo vários dependentes dessa deusa tirana e me compadeço. Vejo almas bipartidas, mergulhadas no mar da escuridão de suas (ir)realidades que elas mesmas desconhecem. Constantemente assombradas por demônios de nomes bastante familiares: o pânico, a paranóia, a miséria, a tristeza, o abandono, a violência, a mentira, o auto-engano, a solidão. Algumas pessoas mergulham tão profundamente no culto à deusa que chegam a se extinguir. Na fome de sorver o êxtase cedido são ceifadas, tragadas de sua própria existência, através de uma sobredose que não cabe simultaneamente num corpo que mal comporta a própria alma e tantos demônios convivendo juntos. Pela experiência da sobredose, a fronteira corpo-espírito é extrapolada, fazendo com que o espírito opte em deixar o soma e permaneça naquele estado que lhe é mais cômodo, agora livre dos demônios que o incomodavam. É ponto pacífico que existem outras maneiras de exorcisar esses demônios, mas o pior deles, o auto-engano, não permite que esse exorcismo aconteça, e o dependente dos favores da deidade percorre o corredor silencioso e lento ao encontro sobredosado que o levará a morte. Aproximo-me de um desses dependentes e escuto o que seus pensamentos dizem, percebo que ele está em luta consigo mesmo....

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