terça-feira, 28 de abril de 2009

Terra dos Desolados - Parte II

Todos se calaram e um silêncio doloroso tomou conta do lugar. Podia escutar uma sinfonia de batimentos cardíacos descompassados, acompanhados por respiros ofegantes. Ânsia e diligência se amalgamavam e era possível sentir a iminente torrente de sensações. O ser que detinha em mãos o objeto que lhe conferia poder sobre os demais retirou-o do seu envoltório com bastante ferocidade, rasgando o plástico com os caninos. Mas, logo, com delicadeza, depositou o artefato sobre uma rocha plana localizada bem próximo dele. O ritual ia começar. À medida que os preparativos prosseguiam, comecei a sentir que a minha percepção do mundo (ir)real ia se extinguindo, a ponto de não poder ver com clareza o que se passava. Uma névoa ou fumaça espessa invadiu o salão principal do Templo e, rapidamente, várias energias de baxa vibração começaram a se desprender das paredes sujas e rotas, do lixo amontoado, das fezes espalhadas e cobertas de moscas e de outras pestes e se agregavam ao grande círculo, envolvendo-o. Estes elementos esprituais tinham uma afinidade sôfrega em relação ao ritual e absorviam a energia que era emanada ou que era deixada escapar dele. Uma presença muito forte, quase divina se apoderou do espaço e deteve o tempo. Uma grande luz sem brilho. Estava tudo estático. Todas as formas, densidades e vibrações se desintegravam lentamente e já não se podia conceber mais nada. Foi a anulação de toda a existência, um vácuo, com tempo impreciso. Rhistoc, Rhistoc... escutava longe. Rhistoc você não devia... pelo menos nesse agora. Essa voz ecoava dentro de mim, não sabia de onde vinha. Já não me situava no Templo, disso tinha consciência, estava num não-lugar, e alguém ou algo me abordava. Eu interpelava sobre o que havia acabado de acontecer, porque fui repelido do Templo, e que artefato de tamanho magnetismo conseguia atrair tais energias de baixo nível e era capaz de gerar satisfação plena aos que, sem perceber, se fragmentavam. Era fácil perceber pedaços espalhados de memórias, de possibilidades, de realizações, de alegrias, de amores... Reconheci que, com essas vidas, uma extensa rede de relacionamentos, com prolongamentos e interdigitações numerosas, era enfraquecida, levada com a maré negra. Aos poucos, estas vidas se tornavam co-participantes da Grande Dor, não estavam doentes, apenas sintomáticas. A comunicação primordial e consciente era afetada em todas as configurações que os relacionamentos pudessem assumir, multilateralmente.
A deusa... a deusa, Rhistoc. Isso tudo é a deusa e advém dela...


continua....

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