Escuto tudo o que ele acaba de dizer calado. Distancio-me e me envolvo nestes pensamentos, ele sabe que sou eu quem o influencio, eu sou essa cadência perene que o faz refletir. Ele me chama sem saber meu nome. Isso várias vezes durante o dia, sem ter certeza de que eu existo, sem se convencer de que o abstrato e o concreto se mesclam. Introduzo-me e tento entabular uma comunicação. Ele cético, tenta me explicar a dureza de se deparar com o que sempre idealizou, sem saber mesmo o quê e como e porquê. Que valha alguma coisa, é preciso. Sei que ele me busca, faina diuturna, deposita uma âncora teologal em mim. Não pretendo ser seu redentor. A fechadura está do lado de dentro dele, posso ajudar a forjar a chave, sê-la não. Era noite, e as sombras estavam deslocadas. Selenia escondida, nova, apenas seu espectro me teleguiava. Sussurrava que este seria um dos meus discentes preferidos, (ou o contrário?). Preconcebi o sujeito com um olhar tosco, reneguei levemente meu papel com obliquidade quase frívola, desdém. Rhistoc...Ai, Aleph, você de novo, dissociando-me. Assintonia insistente, pseudo-pedagogia imposta. E Selenia, e Aleph e quem mais? Tudo bem, estou aqui, o quê agora? Lembra-te... Ai, esse eco... Lembra-te pra que viestes... Compadeço-me. Preferia poder escolher, mas me impõem. Este é apenas um deles, haverá outros num total de doze... Doze? Por que doze? Doze não é um número, Rhistoc... Ah, não me venha, com essa voz modulada subconsciente, falando em símbolos! Exatamente, é um símbolo. O doze perfaz toda uma cosmogonia. Doze são as horas de Helios e de Selenia. Com a metade de doze foi criado o que existe e em seguida houve o descanso. Doze serão aqueles que haverás de encontrar e que irão te acompanhar... Observe, ele está em apuros, embriagou-se no ludíbrio da deusa. Está dividido agora, não tem rumo, apenas deseja sair dessa existência lúgubre. Sua vida é um pesadelo perpétuo. Viestes para clarear o horizonte deste e de tantos outros, para mostrar que a terra só está desolada, porque eles assim também estão. O Rei está ferido, mas não há o “Rei” isoladamente, o Rei são eles, ou/e está neles. Eles é que estão feridos. Tu co-participante da dor deles, tua ferida também está aberta. Tu cicatrizante das chagas deles, renasces com eles. E sabes, não há quem te busque que não te possa encontrar. Oh, humanidade, que busca ilógica! Estás o tempo todo neles, com eles. Basta que façam silêncio, basta que parem de dizer a verdade deles e comecem a escutar a tua. Basta que parem de te procurar onde nunca irão encontrar. Tua missão acaba de começar, Rhistoc, e quem pega no arado não deve olhar mais para trás, disto sabes tu. Prepara-te para o que vem a eito.
“Cada um de nós é um herói. Isso é um dote. Temos um chamamento para a aventura. Recusamos. Segue-se uma crise. Não podemos voltar atrás – e atendemos o chamado. Juntamos auxiliares, professores, guias. E cruzamos o limiar do desconhecido. Perdemos a nossa identidade e afundamos num abismo, no nadir, na barriga da baleia. E emergimos. Começamos a viajar de volta, para aquilo que conhecemos – cruzando de volta a fronteira. Nós voltamos. Transformados” (O Herói, de Joseph Campbell)
terça-feira, 21 de julho de 2009
quarta-feira, 8 de julho de 2009
Pêndulo
De certo não se escolhe ficar enfermo, noutras vezes não há escolha. Pode-se escolher continuar doente; posso preferir, cônscio e alegando-me inconsciente, continuar sofrendo , posso gostar dessa paixão. A paixão que não avisa quando vem, a paixão que conforta e machuca. E também a paixão que ultrapassa os limites da lógica, parcialmente marcante, fanática e cega, dominadora. Assumo que escolhi cultuar a deusa, mas quão cego de antemão, de anteolhos ela me deixou, até mesmo para perceber que ela não era essa flor de cheiro doce ou que antes mesmo era, mas logo esse aroma apodrecia nas narinas, carcomia os alvéolos e dissolvia a alma. Não escolhi me apaixonar, caí doente de paixão, não escolhi essa paixão calvária. Verto-me agora indiferente e fugaz por carência de melhor opção, devo deixar de me sucumbir a essa flecha flamejante. Carente de dores, submeto-me: eu sei. Carente de bálsamo, desisto: não sei de mais nada. Meu único lenitivo é a esperança.
A deusa maldita me cansou. Deixou-me sem ânimo-anima-animus. Niilismo espiritual, aniquilamento somático. Devo extrair minha essência a partir desse vazio em que me transformei, no nada há tudo o que pode vir a ser, o começo está onde nada existe. Alguma coisa está provocando esse desvio de padrão no meu pensamento, alguma presença, algum fluido. Tenho sentidos o suficiente para perceber isso. Estaria esse estímulo fora ou dentro de mim, seria parte minha ou adventício?
Não quero mais me ater a essa filosofia de carrossel, sei que isso não há de parar, desliguem a tomada, verão que não pára. Rodando sempre e deixando-nos todos tontos e tolos. Antes-tolos, após-tolos da deusa. E de que me serve isso se não consigo descer dessa roda de cavalinhos, pior, jumentinhos, com todo respeito aos asininos. Não há a próxima parada, apenas roda, roda, roda a mesma paisagem, o mesmo cenário, não há novidade. De um salto poderia me arriscar. Preciso calcular a velocidade em que estou pra precisar o tamanho do tombo. E isso seria um anti-tombo, seria um cair pra cima. Por que então esse medo da ascensão? Sou um porco que retorna à lama após ter tomado banho? Claudico na linha grácil entre o sobejo da vida e o ordálio. Mas esse poder não vou usar mais contra mim, o mais fraco em mim que desista.
A deusa maldita me cansou. Deixou-me sem ânimo-anima-animus. Niilismo espiritual, aniquilamento somático. Devo extrair minha essência a partir desse vazio em que me transformei, no nada há tudo o que pode vir a ser, o começo está onde nada existe. Alguma coisa está provocando esse desvio de padrão no meu pensamento, alguma presença, algum fluido. Tenho sentidos o suficiente para perceber isso. Estaria esse estímulo fora ou dentro de mim, seria parte minha ou adventício?
Não quero mais me ater a essa filosofia de carrossel, sei que isso não há de parar, desliguem a tomada, verão que não pára. Rodando sempre e deixando-nos todos tontos e tolos. Antes-tolos, após-tolos da deusa. E de que me serve isso se não consigo descer dessa roda de cavalinhos, pior, jumentinhos, com todo respeito aos asininos. Não há a próxima parada, apenas roda, roda, roda a mesma paisagem, o mesmo cenário, não há novidade. De um salto poderia me arriscar. Preciso calcular a velocidade em que estou pra precisar o tamanho do tombo. E isso seria um anti-tombo, seria um cair pra cima. Por que então esse medo da ascensão? Sou um porco que retorna à lama após ter tomado banho? Claudico na linha grácil entre o sobejo da vida e o ordálio. Mas esse poder não vou usar mais contra mim, o mais fraco em mim que desista.
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